TUA VINHARIA
 
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Sejam felizes

Já não sei quantas vezes refizemos o horário da loja nos últimos dias. Ora actuamos por cautela, ora por sugestão de clientes, ora pelo que ouvimos/lemos nas notícias. Agora, decidimos estar abertos com horário muito reduzido, porque consideramos o vinho um ‘’bem essencial na presente conjuntura’’, mas mantemos as entregas fora desse horário sempre que nos liguem a marcar. E também levamos a casa.

Os clientes entram (pouco) e já não há cumprimentos. Falamos a razoável distância, mas ainda vamos sorrindo quando comentamos o quão bom é este arinto ou aquele encruzado ou quão surpreendente é este vinho de Trás-os-Montes ou aquele outro de Lisboa.

Ao passar pelas ruas desertas vejo o amontoado de pessoas à porta do Pingo Doce, como vi há dias à porta do Lidl e do Continente e fico perplexo. A mercearia aqui ao lado mantém-se aberta. Foi lá que comprei iogurtes, queijo e alguns legumes e fruta. Até papel higiénico tem. Sem me cruzar com ninguém, sem ter de esperar à porta. As pessoas preferem os ajuntamentos. Na mercearia Cláudia sei que a senhora sempre cuidou do espaço com esmero. Não só agora. Ela, por certo, preferia estar em casa onde imagino estarem os filhos que no Verão a ajudam a atender fregueses. Mas está ali porque aquele espaço é dela e está a correr riscos porque depende daquilo.

Eu vejo a minha temperatura de manhã antes de sair de casa (35,8 ºC hoje). Chego à loja e limpo o balcão, o computador e o terminal ATM com álcool. E a jukebox, claro. O meu problema é a tosse. Há quem sofra de flatulência eu sofro de tosse matinal. Por causa da hérnia do hiato ou do refluxo. A médica explicou-me, mas eu já não me lembro bem. E por isso gasto toda a tosse em casa antes de sair.

Garanto, pois, que o risco é menor se comprar vinho da TUA VINHARIA ou iogurtes na Mercearia Cláudia do que ficar na fila das tais grandes superfícies. Bem sei que elas são responsáveis por centenas de postos de trabalho e vitais para a economia e mais não sei o quê. Mas os donos estão em casa em tele-trabalho. Mandam os peões para a guerra. Como aquela cena da Guerra dos Tronos, a batalha dos bastardos, em que Ramsay Bolton assiste de longe ao confronto e põe-se a andar depressinha quando percebe que a coisa está negra. E sabemos o que lhe aconteceu.

Por que razão algumas pessoas, que acham que a Cláudia e eu devíamos era estar em casa, acham aceitável ir ao Pingo Doce comprar iogurtes?

Hoje em dia, já se sabe, todos têm opinião e têm como a partilhar. E os que podem trabalhar a partir de casa criticam os que não podem e os que não podem criticam os que podem e é verdade que a informação nem sempre é devidamente difundida e mais isto e mais aquilo.

O nosso “cliente do encruzado” veio até cá comprar umas garrafas. Aquele outro que se apaixonou por um determinado vinho do douro já passou para levar uma caixa, o nosso vizinho que deixa sempre gorjeta não desistiu de cá vir comprar “aquele biológico”, o brasileiro que ia passear pela Europa antes de regressar ao Brasil, e que agora nem sabe quando pode voltar ao Brasil, vai provar vários vinhos portugueses, “que mais posso fazer?” questionou sorrindo.

São menos por estes dias os que cá vêm, claro. Mas falamos sempre um pouco. Sobre vinho.

O vinho tem sempre belas histórias e podemos estar em clausura, preocupados e até com medo, mas não vamos deixar de ser felizes. Ou pelo menos tentar. Eu este fim-de-semana vou conhecer um novo loureiro, um novo vinhão e por certo ainda encontrarei espaço para um tinto de Trás-os-Montes ou das Beiras. E ainda vou fazer um brinde com os vizinhos (à janela). Ah, e vou comprar mais iogurtes à Cláudia porque os miúdos fechados em casa parece que têm mais apetite.

Jaime

2020 Março 21

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