O Há Vinho na Póvoa, que durante o mês de Abril trouxe à cidade da Póvoa de Varzim vários produtores para provas de vinho, jantares vínicos e uma visita aos campos masseira, terminou com uma tertúlia no salão nobre do Clube Naval Povoense, o final perfeito de um evento que quis agitar a cidade.
O evento Há Vinho na Póvoa, que contou a colaboração da Ontem – histórias contadas na exposição O Vinho Ilustrado, começou tímido com as inaugurações simultâneas em diferentes espaços da cidade, ganhou confiança com os jantares vínicos, no restaurante Barracuda e Adega de S. Sebastião, perdeu a vergonha no autocarro do Clube Naval Povoense (CNP) em direcção aos campos masseira, delirou nas provas de vinho da Barão de Vilar, Ládano Wines e da Quinta Seara d’Ordens e terminou em apoteose com a tertúlia no salão nobre do CNP.
Para a Tua Vinharia, que pretendeu com este evento ‘’agitar a cidade e mostrar que há público na Póvoa interessado em coisas diferentes’’, o saldo é claramente positivo.
Vinho na areia
Os campos masseira estão em vias de extinção e essa é precisamente uma das razões que levaram Ricardo Garrido a ter a ideia de comprar as uvas aos agricultores que ainda trabalham estes campos para fazer um vinho. Nasceu assim o Tubarão, em 2019, e é quando vai na terceira colheita que Ricardo aceitou acompanhar uma mini-excurssão da Tua Vinharia às masseiras da Estela, no passado dia 23 de Abril.
A maior parte dos participantes nesta visita não esconderam a curiosidade e a surpresa com as particularidades deste tipo de agricultura, como o micro-clima no interior do campo e as dificuldades da vindima na areia com as uvas tão rentes ao chão, por exemplo. A maior parte dos comentários sugeriam que este tipo de agricultura deveria ser protegido de alguma forma, mas Ricardo Garrido acredita que a melhor forma de convencer os agricultores a continuarem com as masseiras é comprar-lhes os legumes e as uvas. ‘’Isto é realmente muito bonito, mas não ajudamos ninguém com poesia. Eu quero ganhar dinheiro com o vinho e os agricultores querem ganhar dinheiro com as uvas e com os legumes que plantam, caso contrário não vale a pena’’, diz o produtor.
No fim da visita provou-se a terceira colheita do Tubarão, na Tua Vinharia, e confirmou-se que apesar dos Pet Nat não serem vinhos consensuais há cada vez mais público para este tipo de espumante e uns quantos fãs do Tubarão, que soube diferente depois de se ver de onde vem, e com a areia trazida das masseiras espalhada pelo chão garrafeira.
O amor à vinha
No último dia do evento, que foi quase a concentração de tudo o que aconteceu antes – conversas com produtores, provas com receitas esmeradas, passeios de bicicleta para orientar quem se perdeu pelo caminho –, o ambiente que se viveu no salão nobre do CNP foi de festa. Uma festa de homenagem ao vinho e a quem o faz, porque como explica Jaime Xavier, da Tua Vinharia e que esteve a moderador a conversa, as pessoas são tão importantes como o vinho que fazem. ‘’Não nos interessa ter bons vinhos se as pessoas que o fazem não forem boas’’, disse.
Foram cinco os produtores que partilharam as suas experiências com uma assistência interessada. Do Douro vieram Ana Hespanhol, da Quinta do Zimbro e Pedro Sequeira, da Quinta do Isaac; do Dão Jorge Reis, da Quinta de Reis; do Alentejo Mariana Roque do Vale, da Casa Clara e da região dos Vinhos Verdes António Sampaio, da AJTS.
E se há alguma conclusão a retirar de tudo o que foi dito, é que apesar das diferentes abordagens em relação ao que deve ser o vinho (biológico, natural, de produção sustentável, etc.) todos concordam com uma coisa: O mais importante é a vinha. ‘’Não há vinhos bons com más uvas, mas boas uvas podem dar maus vinhos’’, como referiu Jorge Reis.
Mariana Roque do Vale salientou ainda a importância de quem cuida da vinha, dizendo que não percebe porque razão o produtor faz-se sempre acompanhar do enólogo e nunca do viticultor.
Ana Hespanhol afirmou mesmo, já mais para o fim do encontro, que não se imagina a fazer outra coisa, sobretudo pelo trabalho que tem feito na vinha. ‘’É mesmo muito especial cuidar da vinha’’, disse. O resultado desse cuidado foi bastante apreciado no Quinta do Zimbro Grande Reserva Tinto. Aliás, todos os vinhos em prova mereceram a admiração dos participantes.
António Sampaio trouxe de Amarante o AJTS Tinto de 2017 e um vinhão que estagiou em madeira. ‘’São experiências que gosto de fazer e vocês vão servir de cobaias’’, gracejou. As cobaias apreciadoras desta casta ficaram muito surpreendidas com aquele que consideraram um grande vinhão.
Pedro Sequeira brilhou com o seu Quinta do Isaac de 2013, em garrafa de 5L, que por causa das dificuldades para retirar a rolha teve de ser servido em caneca (à falta de decanter) e, por isso, foi chamado de vinho da casa.
O Ermo Castelão da Mariana Roque do Vale foi também muito elogiado – ‘’é diferente de tudo o que já bebi, é muito bom’’, comentava um dos participantes, enquanto se dirigia à produtora – assim como o Wine Note de Jorge Reis, um vinho que só é feito em anos especiais e que até agora só teve três edições, 2009, 2011 e 2015.
Os dois brancos servidos foram o Monte da Capela Verdelho, do Alentejo e o Vinha de Reis Encruzado, do Dão. O vinho alentejano foi uma surpresa para muitos, por não se esperar um Verdelho tão fresco e o Encruzado levou muita gente a parabenizar Jorge Reis.
A festa terminou na vinharia com alguns resistentes e a juke box. Para o ano há mais? ‘’Sim, haverá mais e melhor’’.
