TUA VINHARIA
 
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A chave

Esta coisa de ter um blog começa a interessar-me. Como sou jovem ainda faço carreira nisto. Mas por estes dias há outra coisa que me começou a interessar como não esperava. Os clientes. Eu sempre tive clientes em todas as funções que fui desempenhado nessa coisa que é o tal percurso profissional. Mas desta vez é diferente. Não sabia que ia gostar tanto.

É claro que termos decidido passar a trabalhar numa garrafeira é um risco. É que nós havíamos imaginado que o trabalho de secretária, por assim dizer, seria no nosso armazém, mas não. O nosso escritório é quase sempre a grande mesa no meio da sala rodeada pelas garrafas à espera dos clientes.

Por vezes parece que estamos num aquário ou num daqueles quartos modernos dos hotéis em que quem passa tudo vê. E temos imensos mirones. Daqueles que ficam a tentar ver todos os detalhes mas sem nunca entrar. Colam-se ao vidro, franzem a testa e esticam os olhos, fazem de telescópio com as mãos, deixando as marcas no vidro. Apetece-me sempre fotografar as caretas que fazem.

Há muitos que entram, claro. Aqueles que ficam a conversar, aqueles que nem bom dia dizem e compram o que lhes apetece, aqueles que pedem opiniões, mas também os entendidos, os que querem entender e também já temos os amigos habituais.

E há aqueles que nunca mais voltaram.

Como aquele rapaz que entrou aqui em Agosto num dia de calor. Não era apreciador de vinhos começou por dizer. Mas tinha tempo e queria provar qualquer coisa fresca. Tínhamos acabado de abrir uma garrafa de Caves da Cerca como tantas que abrimos nesse mês. Sentou-se a beber o vinho. Meia dúzia de palavras trocadas e por aqui ficou serenamente.  O vinho é bom, referiu, e completou a dizer que o pai haveria de gostar muito deste Caves da Cerca, ele sim, o pai, apreciador de vinhos. Talvez por isso decidiu comprar uma garrafa para lhe oferecer. Saiu colocando o chapéu na cabeça e desapareceu passando em frente da montra.

Olhei para o sofá e vi a chave do carro ali caída. Corri até à porta a ver se ainda o via. Nem sinais. Coloquei a chave no balcão confiando que voltaria para a resgatar. Vejo a chave todos os dias. Ainda cá está. Não é a primeira chave que fica aqui esquecida. Mas voltam sempre para recuperar o que aqui por esquecimento deixam. Temos também, por exemplo, um guarda-chuva mas sabemos de quem é e sabemos que será recolhido.

Mas a chave do carro está aqui. Há 3 meses. E não sei porquê estou sempre a pensar como terá conduzido o carro nesse dia. Teria outra chave? Ou se o carro ainda estará parado numa destas ruas como está um outro aqui parado à porta porque o proprietário perdeu as chaves. Sim, esse já veio cá perguntar se não tinha deixado aqui a chave. A dele não temos. Temos aqui uma chave de um carro, sim. Mas não sabemos de quem é.

Às tantas em Agosto volta cá. Se acontecer devolvo a chave e ofereço um copo de Caves da Cerca.

Jaime

2019 Dezembro 06

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