O Outono é a estação do reinício. Deixamos o verão e as férias para trás, terminam as vindimas, mas sobretudo recomeçam as aulas. Este ano recomeçam seis meses depois das escolas terem ficado vazias.
Ontem ao deixar os rapazes nas suas escolas vi os adultos mascarados dispersar assim que as crianças entravam seguindo, dentro do possível, as regras estabelecidas. Essa pequena multidão desfazendo o aglomerado de mascarados seguiu para a sua vida entre o alívio e a persistência do medo.
Comecei a pensar no vinho ideal para acompanhar esse alívio e a chegada do Outono. O vinho para abrirmos no sábado para que clientes e amigos possam provar enquanto contam as histórias sobre este recomeço.
Estava já na loja, na parte da tarde, quando entra um senhor que já não via há muitos meses. Por indicação médica está confinado em casa. Tem respeitado essa imposição, conta-me, por fazer parte do tal grupo de risco. Tem recebido visitas à varanda e alguns contactos fugazes com o filho quando este lhe vai entregar as compras. Mas tem ido à farmácia. E confessa que também vai regularmente à mercearia. Tem por isso por aqui passado sem nunca entrar e fica feliz por nos ver ainda por aqui. Imagina que não seja fácil manter um negócio a funcionar nestas circunstâncias.
Na próxima semana virá comprar duas garrafas de vinho para oferecer a um familiar que o vai visitar pela varanda. Ao falar da mulher, que já morreu, a voz escapa-lhe e os olhos enchem-se de lágrimas. Pede desculpa por me aborrecer com a vida dele e despede-se desejando-me saúde e sucesso.
O Outono é também o reencontro das pessoas que estiveram ausentes como os miúdos que reencontram os colegas. É o reencontro com o frio, com as castanhas, com os vinhos de talha, com os encruzados untuosos e os alvarinhos menos suaves. É o regresso aos tintos mais encorpados e volumosos.
No sábado, no entanto, vamos abrir e partilhar um colheita tardia. Receber os amigos e o Outono de forma serena e ligeiramente adocicada.
Jaime
